sexta-feira, 2 de abril de 2010

"Imagine-me assim: uma criança, de uns 5 ou quiçá 6 anos, presa em uma loja de objetos de cristal, todos expostos em prateleiras pelos estreitos corredores. São vasos, pratos, copos, lustres e tudo mais que se pode imaginar, cada peça mais linda e delicada que a outra. Pelas primeiras horas observá-los me deixa extasiada, sem necessidade de respirar, apenas absorvendo todo o brilho a minha volta, são tantas cores vindas do cristal transparente. Dias depois, porém, nada me parece mais tão bonito assim; há imperfeições, poeira e rachaduras do tempo, os brilhos são sempre as mesmas luzes refletidas. Ocorre-me a brilhante idéia, a mais infantil de todas: por que não quebrá-los? Chutá-los um a um, ouvir os estilhaços quebrando e voando, batendo uns nos outros, machucar-me na deliciosa anarquia do caos.
Não há ninguém comigo lá, nenhum pai, responsável, ou sequer um vendedorzinho franzido, apenas placas em todos os cantos com “NÃO TOQUE” em letras garrafais e câmeras, muitas câmeras. Sou sempre observada a distancia. Logo passo a maior parte do tempo apenas observando tudo, andando calmamente, vez ou outra arriscando uma corridinha, mas nada demais, afinal, não posso tocar em nada. Já tropecei algumas vezes e quebrei pequenos objetos, mas nada que realmente pudesse me incriminar, foram apenas acidentes de percurso. Meu desejo de parti-los apenas cresce, enjaulado como uma fera, gritando cada dia mais.
Até que um dia, dia qualquer, eu acordo sem câmeras, ou sequer avisos nas prateleiras. Há mais luzes e lâmpadas, poucos cantos escuros para esconder-me caso algo de errado, mas nada para me avisar o que isso seria. Fico um tempo estática, esperando a pegadinha, procurando algum pequeno sinal de erro, mas não há nada lá. Talvez a loja tenha sido fechada, e me esqueceram dentro junto a todos aqueles objetos, agora já sem importância."

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