segunda-feira, 20 de setembro de 2010

- Ei menina, você aí de cabelo enrolado e brilhoso. Me diz o porquê dessas bochechas vermelho ardentes?
Estava muda a menina. Não queria que soubesse que era vermelho de medo e não de vergonha. Batia o sapato preto lustrado no ritmo do seu coração, rápido, difícil de acompanhar, fingia ser a batida de uma música para acalmar seus nervos. Seu coração agia assim constantemente, era um problema, pois a pobre menina, fraca como uma pena, sentia arrebentar-lhe o peito cada vez que isso acontecia.
- És muda?
Duas bolas grandes e escuras lhe olhavam, fixamente, mas não o encaravam, só o miravam, tinha algo a mais, algo tão denso continham aquelas retinas que ele não sabia identificar. Essa dúvida lhe causava uma ruga a mais no rosto já tão marcado pelo tempo nas estradas poeirosas que percorrera. Baixou a mão calejada e pegou um pedaço de cetim azul caído no chão.
- Pega tua fita. - Ela estendeu a mão e a pegou, ele viu naquela mão pequena e quase transparente suas veias bombeando rápidas.
- Calma menina, não te farei mal. É minha última intenção. - Ela aliviou um pouco a expressão. - Estás perdida? - A menina então apertou a mão contra o peito. Riu fraco, quase como se doesse.
- Talvez não, quem sabe eu tenha me achado. - Tudo que havia em volta era uma estrada e um imenso lago reluzindo o pôr-do-sol, pequenos cristais de luz refletiam em seus rosto. Talvez fosse a luz, ele pensava, aquela luz que entrava em seus olhos negros e mesclava o que eles tentavam refletir, toda a imensidão de sentidos retidos em um coração que quase explodia, os olhos só demonstravam a densidade que ela era por dentro, suas vontades transbordavam pelos poros: a pureza que procurava em faces, em vão. A beleza que emitia de dentro para fora.
- O que te move então por essas estradas tortas?
- O que me move moço, - suspirou profundamente. - é a paixão.
Ah, ela era total e inteiramente paixão. Sentimento que buscava em tudo que tocava, procurava em todos os cantos, em qualquer olhar que demonstrasse um pouco da sede que ela tinha. Sede de vida, de sangue quente, mas na estrada suja só via esqueletos pelo caminho, via zumbis que queriam lhe roubar a cor da vida, queriam despedaçar sua alma, contudo, mesmo assim, continuou acreditando no sentimento que movia-lhe os ossos, procurava-o incessantemente.
- Pensei ter encontrado a paixão moço, a paixão absoluta, em um olhar que esbarrei por aí, desde então agarrei a chance, sentia até no fígado que tinha cessado minha busca, mas me enganei ao ver que era só mais um por quem eu passaria, tinha paixão, claro, talvez até tanta quanto eu, mas não o suficiente para me saciar. Então descobri.
- Descobriu o que?
- Descobri que esse sentimento não concentra-se em um só ponto, ele está depositado em qualquer curva, das flores que se abrem até a mãe que amamenta um filho. E é disso que eu vivo, me movo pra dar a paixão que em mim foi depositada e achá-la até no grão de areia que atrapalha minha visão. Tenho ânsia dela, porém tenho os músculos fracos por isso, por essa ansiedade de lidar com todos os sentimentos que me regem. Por saber que meu tempo é curto, acelero o passo e vivo em um ritmo que já me fez perder o caminho, corroeu minha mente. Eu sofri moço, fui dilacerada, vivi o outro lado da moeda, o lado dos sentimentos ruins, mas é para isso que fui feita, para percorrer o caminho.
De fato ela o intrigava, como podia um ser tão indefeso carregar os sentimentos como se os conhecesse profundamente? De toda sua vida cansada o que carregava era apenas uma trouxa em cima do ombro queimado do sol e lembranças de sua labuta nos campos em troca de qualquer comida insossa, nunca tinha pensado por que seguir em frente, apenas seguiu, até ali, onde estava, um pouco abaixo de si, a criatura mais irradiante com que cruzara, ela sim sabia por que seguir em frente, mesmo sabendo que sua pressa lhe custaria boa parte da própria vida.
- Oxi menina, aperreie esse coração. Com o tempo ele amorna, se torna brando. Não sofra tanto, aquiete teu sangue que te faz correr por aí. Tanta intensidade não pode fazer bem a ninguém.
Ela mostrou os dentes, deu seu mais solidário sorriso, pois ali naquele homem encontrava mais um pouco de paixão, um outro tipo, que se retém num casco grosso, mas ainda assim está ali.
- Vês essa fita azul?
- Sim. Que tem?
- É um pedaço do céu moço, que carrego comigo. - Então ele entendeu que nada mudaria a menina, ela andaria a todo vapor independente de quem cruzasse seu caminho, era assim que era ela, intensa.
- Tudo bem menina, então cuida desse coração frágil, não só por ti, mas por mim também, pois daqui levas um pouco de mim na tua trajetória.
- Também te peço para tirares tua casca, teu coração é pra ser mostrado, mesmo que fraco.
Eles olharam para o lago, do sol pouco se via, seus últimos raios pintavam o céu, anunciando o fim de mais um ciclo, cada um seguiu seu caminho, sem olhar para trás, aquele homem foi embora com mais vida nos bolsos, e a menina continuou o percurso atrás da última dose de intensidade. E de si fez um tudo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário